o bicho

Pedi-te uma porção atenta da tua existência
Como se me fosses dar uma prenda misericordiosa
Viste-me aqui caída no chão molhado e frio
Olhaste as tuas duas mãos
E não me estendeste nenhuma.

Escorrego por ti acima como uma lagarta a quem lhe tiraram as patas todas
E dói-lhe tudo
O corpo inteiro
Está calada porque não sabe falar
E não diz nada.
O silêncio abraça-a
Com uma perversidade maldosa
E o pequeno bicho deixa-se estar
É um bicho, dizem os outros
É só mais um bicho
É um bicho e não se sabe de onde veio
Nem para onde vai
Sabe-se apenas o nome latino da coisa.
O nome universal da coisa.

Pensou muitas vezes em vingar-se
E apagar todos os registos das pessoas
E serem só pessoas
Sem primeiro nome ou apelido
A pessoa azul e a pessoa vermelha
E rastejam nojentas pelo mundo
Com uma alma pretensiosa
De quem se acha mais por ter um nome.

Não te pedi nada mais que uma mão seca para me levantar
Achei-te capaz de me perceber doente e perdida
Mas não foste.
Gritaste-me!
Gritaste ao bicho!
É só mais um bicho.

Sou a tua lagarta de estimação
E dos animais domésticos cuida-se.
Cuida-se!

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