Encontra-me no branco dos lírios murchos
Que plantaste no jardim
Deixa-me a tua pele para a coser à minha,
Com agulhas de carne velha.
Quero ser parte do mesmo.
Quero roubar-te o calor e devolvê-lo em ebulição
E ser a luz que guardas debaixo da língua.
Tens as questões nas pontas dos pés quando te moves
E nada mais me desperta o cansaço dos olhos
Que essas vénias involuntárias que fazes
A pedirem beijos na nuca.
No escuro metafísico que seguro com o meu corpo despido,
Curvo-me a ti como uma águia feita de imponência e silêncios
E dou-te os beijos que me pedes decompostos nas mais variadas formas
Para poderes provar-me assim.
Deito-me a teu lado,
Os caracóis negros espalham-se pela mármore
E arrastas-me o cabelo com a cabeça, como os mamíferos mais selvagens.
Ouvi dizer que uma estrela morre sempre que cais na mais singela lágrima.
Oiço desesperos ensaiados como se o Mundo fosse todo um teatro feito só para nós
E no final
Morre
A tua personagem favorita
E tu levantas-te
Rasgas o bilhete
Limpas a única lágrima que deitaste na peça inteira
E dizes-me que queres voltar à espontaneidade utópica com que sonhaste na noite anterior.
Arranjamos uma cama
Adormeces
E, pela primeira vez, não te oiço gritar durante o sono.
Há um cheiro a flores no quarto
Um copo de água na cabeceira
Há uma única luz
Que és tu.
A janela é triste e sozinha
Mas parece despertar-se quando acordas
À minha semelhança
O universo sorri-te
E quando o Mal chega
É inevitável não pensar
Que não seria justo para a raça humana
Existires tu, amor,
Ainda que calado
Ainda que quieto
Ainda que aqui.
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