casa



"Há azulejos no chão o chão frio. Sei
Que está frio porque por aqui ando
Descalça de mim. Frio.
Para não me perder no frio.
No frio que não sai da minha janela no frio
Que sai de mim.
Tiro sempre os sapatos antes de entrar
Nesta casa.
Não saio. 
Não saio daqui.
Inspiro expiro inspiro expiro inspiro.
Este linóleo velho beijado por ti o 
Teu suor. Ainda vejo marcas
No chão só marcas no chão.
Marcas perenes. Já só há
Marcas eternas das quais me despi
Ao comprar azulejos novos.
Há um zumbido nos meus sapatos que me persegue.
Todo o dia todo o dia
Sempre. 
Só quando fecho a porta é que te ouço:
Quis uma vez o sabor do
Teu corpo
Quis sentir-te o odor a sangue na minha boca suja.
E queimar-te o amor com
Beijos.
Quis viajar-te a boca 
Com carinhos e saber
A que cheira o teu suor comigo.
A que cheiro eu
Quando acordo.
A que cheira a solidão.
Houve em mim o som do guizo de quando pisava folhas secas
Mexeram-me as memórias numa sopa de confusão
Que me arde ao fundo da garganta.
E eu paro só
Por medo
Do que aí vem.
Esqueci-te a voz de quando
Chorava.
E não me lembro do desalento fora da palavra 
Prenderam-me na resina de um pinheiro velho.
Quando me mexo sou parte do tronco quente.
Escondo-me dentro das tuas roupas; a nu
Ouço melhor ouço os passos
As vozes as malditas vozes 
E os murmúrios doces.
Há brisa nos batimentos
Que ouço cá dentro.
Como se ainda tivesse casa.
Como se ainda tivesse coração."

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