ficção


casa da avó, Tondela, 2013.

não me falta nada.
tenho alma de flanela que paira
na ventania outonal:
alguém me quis oferecer presentes
por compaixão de quem tem medo de ter pena
e recusei-os a todos, 
alta de respeito e mentira,
comprada por ideias orgulhosas. 

os vizinhos de baixo gritam-me coisas más quando durmo
e eu finjo que os sonhos são maus para a realidade ser melhor
no estendal pendurei quatro molas sem tecidos
tiro tudo
roubo tudo
e ainda assim tenho espaço para
tirar mais
e roubar mais
tenho espaço para qualquer coisa.

sou salões de festa
auditórios
bebo o champanhe no verniz
e os convidados não vieram.
esqueceram-se,
não os avisei
não vieram. 
tenho o luxo todo que o 
poder cobiça
e espaço a mais para enchê-lo com o que não é meu
não por não ter nada
mas por ser nada
e ter todo o tempo do mundo para sê-lo.

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