Quando dois Mundos se tocam

Adoro ler. Adoro a ligação mágica entre as palavras e os múltiplos sentidos que estas me sugerem. Adoro imaginar e viajar, adoro passear por entre as ruas estreitas que me conduzem pelo meio das linhas e me fazem percorrer uma calçada cheia de incógnitas e simbologias sem fim. Adoro vestir a pele daquelas pessoas. Sejam elas bonitas ou feias, bem ou mal sucedidas. Adoro ter o poder de conseguir dedicar uma hora para ser alguém, seja quem for, para ter outra vida sem ter que decidir que caminho escolher.
 Não gosto apenas de roubar identidades quando seguro um livro nas mãos. Gosto também de me antecipar, de me desiludir, embora prefira quando as minhas espectativas são realizadas. Adoro histórias que me façam pensar. No entanto, só gosto quando são escritas com muita descrição ou com muita acção. Há algo na coexistência das duas características que me repugna.
 São as histórias tristes que mais me cativam. Mas, é claro, refiro-me àquela tristeza saborosa, que me dá vontade de ler tudo uma e outra vez. Aquela melancolia deleitosa e reconfortante que faz com que o texto adquira um carácter tão realista quanto a própria realidade. Porém, gosto ainda mais quando não há um Mundo real e um Mundo fictício. Quando agarro nas peripécias das personagens dos livros e, no meu dia-a-dia, coloco tudo isto dentro do mesmo saco, um saco de veludo onde não há limites entre o que faz sentido e o que é absurdo. Um saco lilás, porque um saco de outra cor seria insignificante. É obrigatório, necessário, essencial, imprescindível, completa e totalmente fundamental que o saco seja desta cor! O lilás torna tudo mais intrínseco e doce.
 Para além de toda esta panóplia de devaneios e caprichos, gosto quando me identifico com as personagens, mais ainda quando a nossa relação é heterogénea: descubro sempre que adoro certas coisas que pensava não gostar. Ah! Também adoro quando me torno, por momentos, uma pessoa completamente distinta da que sou na realidade.
 E, por fim, passo a atestar que um livro sabe-me sempre melhor quando tenho a barriga cheia de chá de camomila ou leite com Pensal, com a persiana aberta e gotas de chuva a deslizar pelo vidro frio da janela. Não gosto de ler no meu quarto porque se parece com dormir. A culpa não é minha, a culpa é do meu quarto e da sonolência patente no ar que parece misturar-se com os átomos de oxigénio.
 Adoro ler, repito. É tão prosaico quanto isto. Porém, nada basta para traduzir o que sinto. Posso tentar explicá-lo, mas recuso-me a fazê-lo mais uma vez. Não se entenda que este acto é consequência de uma preguiça aguda, porque não é, de todo! Acho apenas que não faz sentido explicar algo tão enorme com palavras tão pequeninas. Não é que ache que eu faça qualquer sentido... Mas aquilo que sinto faz. Todo o perfeito sentido.

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