não ser ou não ser, eis a única opção


Imaginei a água rubra. Movia-se. Umas vezes lentamente outras com uma força que me chocou. Não quis parar de a observar. Fascinou-me. Translúcida como eu, imprevisível como eu. Sem fim nem início. Umas vezes agitada, outras irritantemente calma.
Sentei-me. Olhei a água equivalendo-a a um espelho enferrujado partido no canto superior direito. Achei por bem imaginá-lo desta forma porque convenci-me de que os pormenores são importantes. Na verdade, não sei se são nem se não, mas gosto de fingir que sim. Fingir… camuflagem do meu negro mais profundo.
Sim. Sou uma cobarde. Não sei apenas ser e por isso sou ainda menos. Quero ser mas não sei. Não consigo porque mudo tantas vezes e esta incerteza incomoda-me. Mas, se a tentar mudar, vou entrar num modo de decadência porque sei que não consigo. Estou a crescer e isto é normal. Claro que é. Mas tenho que gostar do normal?
Queria… Queria ser como os outros são, em toda a plenitude da palavra. Queria que as pessoas sentissem uma espécie de prazer em procurar os meus pormenores e me achassem mais do que sou. Não sou mais do que isto, sei-o bem. Mas mais ninguém tem que saber… Mais ninguém tem que o ver.
Talvez seja por isso que todos vão: por eu não ser. Talvez seja por isso que não precise de procurar muito para encontrar alguém melhor. Porque basta-lhes ser...
Procurei na água algum sinal. É algo poético o que digo e nem sequer faz sentido mas é este desespero que eu sou hoje. Um desespero de desânimo, de acrasia. Um desespero descontente guiado por ambições parvas e infantis que assentam em coisas vagas como gostar de apenas ser. Ou então gostar de tentar apenas ser. Desde, claro, que mais alguém o veja… desde que mais alguém repare no tal estilhaço no canto superior direito do espelho e que, mesmo assim, sorria e ache que as imperfeições são belas.
Confesso, sou orgulhosa demais para não ser subtil. Gostava que reparassem nisto mas não o exijo porque as minhas exigências começam e acabam na minha epiderme. São os “Maria, tu consegues ser melhor” “Maria, tu sabes que não és suficiente”. Nada além disso. No entanto, continuo a querer os tais olhos atentos. Sim, isso mesmo. Olhos que vêem, que reparam, porque a vista de fora é sempre mais verosímil. Sim, sem dúvida. Queria… Mas se nem sei se sou muito menos saberei se quero.
E aqui sentada fico, à espera de críticas, à espera de elogios. À espera de qualquer coisa, qualquer sinal, qualquer palavra, qualquer sorriso. Uma compreensão. Uma boa surpresa. E até mesmo que seja má… fico à espera de qualquer coisa. Algo que me faça ser para além de existir. 

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