A Palavra saiu à rua


Andava de mansinho, de pés de veludo e sorriso provocatório. Parecia não ouvir perguntas, não perceber respostas. Andava, vagueava e sorria e ria outra vez, com um escárnio quase humilhante. Continuava a gozar-me por ser tão inútil. Nunca me falou, acho que queria ser independente. Incomodou-me. Apeteceu-me vincar-lhe as unhas na goela e vê-la esguichar por tudo quanto era lado. Mas não pude. Era divinal e tive medo que o que lhe saísse pela garganta me apaixonasse. Tive medo, foi essa a razão. Digo-o aqui no escuro da minha alma para que ninguém me ouça. Não gosto quando o orgulho me foge por entre os dedos. Se me ouve vai gozar-me, é certo, por isso não lhe contes o que te aqui confesso.
Admiro-a e repugno-a. Uma relação amor/ódio perfeitamente previsível. Preciso dela. Não lhe digas, por favor, ela fará pouco de mim. A dignidade que me resta está resguardada no meu baú da ponta dos meus dedos e da ponta da minha língua. Mas ela é vidro e ela é água e ela é ar e tudo o que quiser. Por isso, não lhe digas. Ela cabe nas ranhuras e vai rir-se de mim. Vai apoderar-se de mim. E vai destruir-me, construir-me devagarinho, até que se multiplique. E eu já falo que chegue.

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