memórias





quando era pequenina, não sabia muitas coisas. ou se as sabia, não as tratava pelo nome. se brincavam comigo, eram meus amigos. não se chamavam João, nem Marta, nem Gonçalo. chamavam-se amigos. se estava feliz, estava feliz. não era porque o dia me tinha corrido bem, nem porque me tinham oferecido qualquer coisa. estava feliz. tinha medo dos gatos que achava que estavam debaixo da minha cama e achava que estava um duende dentro do rádio - e que era por isso que saía de lá barulho. cada vez que passava por uma drogaria, fazia uma cara de culpada e tentava sempre dizer à minha mãe para chamar a polícia: achava que era lá que se vendiam as drogas.
quando era pequenina, era tudo tão puro quanto podia ser. as mentiras eram inofensivas, as perguntas da boca para fora. parva era um insulto horrível e ver alguém a dar um beijo era motivo para choque. toda a gente era amiga, todos brincávamos juntos. gostávamos dos nossos amigos por aquilo que eles eram e não pelo estatuto social que adquiriam ou pelo grau de popularidade.
se me dessem uma folha de papel, inventava várias brincadeiras com esta: pedia uma caneta e desenhava; rasgava o papel em pedacinhos e atirava-os ao ar, ficando a observá-los a cair; fazia um avião, um chapéu, um pássaro.
quando era pequenina achava que só havia uma língua no Mundo. achava que o Pai Natal existia e que as pessoas duravam para sempre.
lembro-me do quanto questionava toda a gente, tinha perguntas inacabáveis para fazer. queria saber como é que tudo funcionava, queria crescer, queria aprender, queria fazer amigos, queria saber significados, queria realizar os meus sonhos. queria ser ainda mais feliz.
acho que - e isto deve ter acontecido a todos - a minha maior desilusão foi quando me apercebi do quão horrível o mundo é. do quão repugnantes, falsas, desonestas, más e horríveis as pessoas podem ser. de que ninguém dura para sempre, que não comandamos a nossa vida, que afinal a aparência e o quão conhecido és, conta - não conta de verdade, contará para alguns, para a sociedade.
vivemos de opiniões, de gostos. vivemos de ambições. vivemos de sentimentos.
lembro-me da primeira vez que soube como nasciam os bebés, do verdadeiro aspecto de um coração. lembro-me quando percebi que havia pessoas que valiam a pena guardar; quando percebi que haviam pessoas que simplesmente não valiam a pena.
recordo-me também de sentir o que era a morte. já não era tão pequena quanto isso, mas ainda assim. sempre fui um pouco mais matura mediante o ambiente em que me encontrava, daí a minha frustração para com tudo. principalmente com a morte.
lembro-me quando percebi que havia coisas que já não voltavam.
quem me dera ter continuado pura, a aprender com os meus erros. quem me dera que toda a gente permanecesse na idade da felicidade. quem me dera que desde bebé me tivessem pintado o Mundo como ele é. quem me dera, viver de memórias. quem me dera ter-vos de volta. quem me dera, quem me dera mesmo.
há coisas que não voltam e há coisas que voltam, todos os dias pela manhã. entre elas a saudade, a memória das vossas vozes, os sorrisos cálidos e os olhos ardentes. restam-me fotografias, memórias congeladas pela captura de um objecto, com tanto amor embrenhado, tanta felicidade. porque embora a imagem tenha congelado com o click da máquina, o amor ainda se move. ainda me pica no peito, ainda me escorre pelos olhos até à cara. o amor é imortal, o amor não morreu convosco, nem nunca irá morrer com ninguém. nem comigo. planeio deixá-lo imortal, no coração de quem é grande, no coração de quem fica sempre.





4 comentários:

  1. Simplesmente fantástico!
    Adorei mesmo!
    Comecei a ler e quando dei conta, tinha colado.
    Só me apetecia ler mais e mais!(:
    Amei! <3

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  2. ooooooh, obrigada! muito obrigada. é tão bom quando temos comentários positivos sobre algo que para nós é tanto. a sério, fico mesmo feliz por teres gostado *.* <3

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  3. pelo menos há alguém que diga verdades! :)
    às vezes só quero que esses tempos voltem. era tudo muito mais fácil. mas pronto, temos de nos "acomodar" com o que nos é dado. nem sempre é fácil, mas... ok, nunca é fácil. mas temos de cá estar na mesma.
    amo-te muito muito.

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  4. AMO! já sabes o que acho da tua escrita meu amor, continua.
    amo-te muito bf <3

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