A Miúda Dos Ses

Encontrava-se deitada sobre o sofá de camurça a imaginar os “ses”. Os “ses”, que a perseguiam desde que se lembrava… e se ela se mudasse dali?
Pensou. Nunca gostara de viver naquele sítio. Deprimia-a, com o seu sol resplandecente e a sua alegria irritante. Não gostava nem da praia nem das raparigas de cabelo claro, tão claro como a tonalidade que as envolvia, enquanto se passeavam, a elas e aos seus corpos e caras perfeitos, pela passadeira de mármore que cobria todo o local perto da praia principal. A praia onde todos se encontravam, onde todos carregavam os antigos sorrisos falsos e os novos sapatos de marca. Onde todos riam automaticamente, onde todos planeavam com fervor o que fazer a seguir, porque agir naturalmente era monstruoso. Los Angeles. Los Angeles deprimia-a.
Nos seus longos dezasseis anos de vida, questionara-se bastante. Os anos passavam devagar por ela se questionar tanto, dizia. Há muito que não vivia propriamente. Não deixava fluir um sentimento nem um sorriso verdadeiro. Não porque não tivesse vontade de sorrir… mas porque sabia que ninguém ali merecia o dito sorriso. “Se” tornara-se a sua palavra favorita. Nunca se debatia antes de o proferir, nunca concluía sem o repetir. No entanto, as conclusões pareciam-lhe algo implícitas, algo inexplicadas… e por isso inquiria-se outra vez. E assim perdia tardes, sozinha mas no entanto acompanhada, não por Deus – esse era um enorme “se”. Acompanhada pelo fervor e aconchegante sabor, que a acalmava e inspirava, que coordenava os seus dedos e portanto o seu lápis roxo pálido, o leite. O leite era sem dúvida um “se” explicado. Se não bebesse leite naquele momento, o que lhe aconteceria? Obviamente, tentaria arranjá-lo.
Riu-se. Riu-se ironicamente, por isso não contou como rir a sério. A peculiaridade do seu ser fazia-a rir. Não sabia o que era normal, porque o cujo era bastante anormal. Mas normal não era ser como ela.
Chamava-se a si mesma, a Miúda Dos Ses.

Sem comentários:

Enviar um comentário